2020, um ano imprevisível. O que esperar para 2021?
O cenário atual na nutrição animal apresenta alguns desafios diante da alta do preço dos insumos e exige a adoção de algumas alternativas na cadeia produtiva.
Apesar de desafiador, o ano de 2020 serviu para que fôssemos capazes de nos reinventar e mostrar toda a resiliência do setor de produção animal. Prova disso, são as projeções positivas para esse ano que se inicia. O IPEA projeta crescimento de 3,2% do PIB da lavoura e 5,0% para a pecuária (com bom crescimento para a cadeia avícola), além de estimativas da Conab projetarem avanço na produção de milho na ordem de 9,1% e de soja 10,5%. Esses indicadores são um alento para o setor, pois apesar de instabilidade cambial e incertezas de mercado, podemos esperar crescimento e recuperação para as áreas envolvidas na produção animal.
O setor de rações, muito afetado pela situação de commodities, teve crescimento em torno de 5,0% estimado pelo Sindirações, chegando à marca de aproximadamente 81,1 milhões de toneladas de rações produzidas em 2020. Houve uma crescente no primeiro semestre, não sendo refletida no segundo (gráfico1), mas mesmo assim, o setor tende a ter crescimento.
O custo de produção da cadeia produtiva é amplamente dependente do custo dos insumos e matérias-primas destinadas à alimentação animal. Atualmente, sua representatividade no custo total de produção de uma agroindústria está acima dos 70%. Se observarmos que esse percentual representa tudo o que passa pelo “trato digestivo dos animais”, percebemos o quanto este assunto merece atenção.
Para tentar driblar os altos custos das matérias-primas, os nutricionistas trabalham com ingredientes baseados na sua disponibilidade regional, na digestibilidade, ausência ou possibilidade de inativação de possíveis fatores antinutricionais presentes e, principalmente, pelo seu impacto no custo final de formulação. Todos estes pontos levam ainda em conta o perfil nutricional e sua contribuição com aminoácidos, energia metabolizável, minerais, vitaminas e ácidos graxos importantes para o desenvolvimento e melhor produtividade dos animais.
Uma matéria-prima considerada fonte proteica e que tem boa digestibilidade é a farinha de origem animal, porém, esse é um ingrediente que tem grande flutuação no mercado, gerando instabilidade no custo e disponibilidade para utilização. Este ingrediente acarreta em aumento no custo dos principais insumos utilizados na alimentação animal, em razão das indústrias de rações terem menos opções de ingredientes à disposição para aquisição.
Diante desses desafios, apontamos algumas alternativas promissoras para implantar nos programas nutricionais nas dietas dos animais visando a melhor otimização de produtos, principalmente para a sobrevivência do negócio e de olho no sucesso da atividade em tempos inseguros da economia.
Destaque para a digestibilidade nos nutrientes
Um dos primeiros aspectos a serem avaliados é a melhora na eficiência alimentar dos animais, com o aprimoramento da sua conversão alimentar para fazer com que o custo por quilograma de animal produzido seja menor. Para tanto, é preciso trabalhar de forma a obter um progresso na digestibilidade dos alimentos. Isso porque as frações indigestíveis são representadas por nutrientes que, muitas vezes, teriam potencial de utilização pelo organismo animal, mas que não estão ocorrendo por algum fator que impede a sua digestibilidade e absorção intestinal.
Neste cenário, é possível apontar a utilização de enzimas exógenas, que possuem a finalidade de melhorar a digestão e absorção dos nutrientes presentes nos alimentos. Tais enzimas não são produzidas naturalmente pelo trato digestivo dos animais. Sua utilização em dietas, principalmente em animais monogástricos, traz benefícios em várias frentes, ligadas muitas vezes ao melhor aproveitamento de aminoácidos, da energia da dieta e de alguns minerais, como fósforo, zinco e cálcio.
Outro ponto a ser considerado diz respeito à formulação das rações com base no conceito de “nutriente digestível”, e não em nutriente total. Esta forma de trabalhar já vem sendo efetivada há muito tempo, quando se refere aos aminoácidos. Porém, em outros nutrientes, ainda é preciso evoluir neste aspecto. O próprio conceito de proteína bruta versus proteína digestível deve ser melhor trabalhado na nutrição. No entanto, a nutrição mineral é a que tem sido mais explorada nas recentes pesquisas científicas. Com relação à presença de fósforo nas dietas, historicamente, foram considerados os níveis de fósforo total e fósforo disponível, informação que leva em conta apenas o fósforo não-fítico dos alimentos. Neste caso, não é levado em conta a capacidade de digestão e absorção total do fósforo da dieta, que só é possível quando consideram-se nas formulações os níveis de fósforo digestível.
O cálcio é outro mineral que até recentemente recebia pouca atenção, principalmente por conta do custo relativamente baixo das fontes de cálcio e seu impacto no custo final de produção que não merecia tanta atenção das pesquisas científicas e técnicas do setor. No entanto, sabe-se que seu imbalanço no intestino pode prejudicar a absorção intestinal de outros minerais, como o fósforo, que é um dos minerais mais caros das dietas. Com isso, a utilização do conceito de cálcio digestível nas formulações pode ajudar a manter os balanços e as relações adequadas de cálcio e fósforo, melhorando a absorção de ambos os nutrientes, evitando perdas durante o processo digestivo e absortivo.
A digestibilidade dos carboidratos também deve ter um foco primordial, visto que as fontes de energia das dietas são bastante caras, tanto quando se fala em milho quanto nas fontes lipídicas, como óleo vegetal ou derivados de origem animal. Como a energia das dietas é um elemento que afeta diretamente a conversão alimentar dos animais, a presença de diferentes opções de fontes energéticas para as rações é um fator que determina, e muito, a competitividade no negócio. O milho é a principal fonte energética das rações. Quando se opta por fazer alguma substituição parcial de sua inclusão por outra matéria-prima alternativa, é preciso levar em conta sua digestibilidade. A inclusão conjunta de enzimas exógenas específicas para os carboidratos presentes nele e a possibilidade da presença de algum fator antinutricional que possa afetar o processo digestivo do animal também devem ser levados em consideração.
De olho na saúde intestinal
Ao analisar o ambiente entérico percebe-se que é um meio dinâmico, altamente maleável e muito sensível às alterações e desafios diários. No intestino, observa-se a presença de microrganismos que fazem parte da microbiota intestinal normal. Se houver alguma mudança no perfil microbiano, de forma a favorecer a presença de microrganismos indesejáveis, haverá grandes perdas econômicas no processo produtivo. Isso ocorre porque as bactérias concorrem com as enzimas digestivas pelo substrato presente, dificultando a digestão e absorção normal dos nutrientes. Algumas bactérias podem ainda destruir as enzimas endógenas, prejudicando as taxas de digestibilidade dos nutrientes.
O perfil de nutrientes que será adicionado nas dietas pode afetar negativamente o perfil microbiano, acentuando o desafio entérico. De modo geral, quanto maior a presença de nutrientes normalmente indigestíveis no intestino, maior será a presença de substrato para as bactérias. Isso faz aumentar a sua proliferação, a produção de gases e o ataque às células da mucosa intestinal, prejudicando ainda mais o desempenho dos animais. Se os enterócitos forem constantemente destruídos, o organismo sentirá a necessidade de gerar todo um redirecionamento metabólico de forma a reparar as vilosidades intestinais, repondo os enterócitos que foram destruídos devido ao alto desafio microbiano. Esta ocorrência possui um custo energético e aminoacídico altíssimo, prejudicando a eficiência produtiva dos animais.
Com isso, o foco deve ser, primeiro, na redução da proliferação microbiana desenfreada. Em segundo plano, na modulação do perfil microbiano, de forma a permitir a presença de uma flora benéfica, que auxiliará no controle das bactérias patogênicas pelo mecanismo de exclusão competitiva. Além disso, a utilização de aditivos melhoradores de desempenho torna-se uma alternativa incentivada, principalmente no que diz respeito aos ácidos orgânicos, prebióticos, probióticos e extratos herbais, com destacados efeitos benéficos comprovados pela literatura científica mundial. Sabemos também, que a presença de alguns nutrientes pode afetar negativamente o perfil microbiano intestinal, como os carboidratos presentes no farelo de soja, que são indigestíveis para o animal, porém rapidamente fermentados pela flora microbiana indesejável.
Menos é mais
Considerando estas informações, é possível observar que a nutrição animal já se prepara para a elaboração de programas nutricionais que visam a adição de menores quantidades de nutrientes nas dietas, porém com maior digestibilidade e eficiência de utilização. A redução dos níveis de proteína bruta da dieta, associada à correção dos níveis de vários aminoácidos é a primeira etapa desta linha de trabalho. A utilização de fontes minerais mais biodisponíveis, levando-se em conta as proporções e os balanços entre os minerais, é o próximo passo. Na sequência, será necessário o estabelecimento de programas que visam o melhor aproveitamento dos polissacarídeos não-amídicos da dieta. Já existem alternativas disponíveis no mercado que melhoram algumas frações destes, principalmente com a utilização de enzimas exógenas. No entanto, ainda há a necessidade de evoluções neste campo do conhecimento, o que permitiria a utilização de alimentos alternativos ao milho e ao farelo de soja em regiões que os possuem, o que daria mais uma opção para a redução do custo das dietas.
Programação adequada de idade x peso ao abate
Atualmente, a idade e o peso ao abate dos animais são definidos principalmente pelo mercado na qual as carcaças ou cortes das carcaças serão destinadas. Existem situações em que a indústria dimensionou sua escala produtiva de forma a produzir carcaças grandes. Porém, nesta situação, os animais permanecem por um tempo maior no campo. Quanto mais velho for o animal, maior será o peso de abate. No entanto, a conversão e a eficiência alimentar vão se reduzindo linearmente. A definição de um momento ótimo de abate, que leva em conta preço do quilograma da carcaça produzido versus quilograma da carcaça comercializada também traz um viés econômico importante e deve ser observado.
A nutrição animal é um campo que possui mudanças diariamente, afetadas pela economia, pela política externa, pelo clima, pela disponibilidade de insumos e pelo mercado. Sua administração de forma técnica, com conhecimento científico e monitoramento diário do mercado é fundamental para o sucesso da atividade, principalmente para a sobrevivência em momentos de incertezas econômicas. A escolha de profissionais e fornecedores que estejam atentos a essas alterações, é um ponto crucial para o sucesso do setor.
Confira como otimizar custos no mercado de produtos para a alimentação de animais de estimação e produção pode contribuir para agregar valor e manter o equilíbrio financeiro do negócio.
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Caroline Facchi - Engenheira Agrônoma, especialista em fábrica de ração. Mestre em Sanidade e Produção Animal e doutoranda em Ciência Animal, na linha de nutrição de monogástricos. Pesquisadora na área de Pesquisa & Desenvolvimento e Gerente de Produto da BTA Aditivos.
Veja mais posts do autorTiago Petrolli - Doutor em Zootecnia na área de Nutrição e Produção de Monogástricos. Professor e Pesquisador dos Cursos de Medicina Veterinária, Zootecnia e do Programa de Pós-graduação em Sanidade e Produção Animal.
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