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Como acontece a degradação de lipídeos nos alimentos para nutrição animal e como evitá-la

Durante os processos industriais, os lipídeos podem sofrer transformações químicas que afetam a qualidade dos alimentos. Isso pode resultar em redução do valor nutricional ou ter até efeitos tóxicos pelo uso prolongado na nutrição animal. Entenda como evitar ou retardar o processo de oxidação.

A degradação de lipídeos na indústria alimentícia é um problema que preocupa especialistas que buscam soluções alternativas para minimizar o efeito da rancificação indesejada que prejudica a qualidade do produto final. Os lipídeos são substâncias químicas importantes ligadas ao sabor, cor e textura – propriedades que tornam os alimentos mais desejáveis. Também conferem valor nutritivo e constitui uma fonte de energia metabólica, de ácidos graxos essenciais (como ácido linoleiro, linolênico e araquidônico) e de vitaminas lipossolúveis como a vitamina A, D, E e K (RIBEIRO e SERAVALLI, 2007).

Os mais comuns encontrados em alimentos são os triacilgliceróis, formados predominantemente por produtos da condensação entre glicerol e ácidos graxos, usualmente conhecidos como óleos e gorduras. Vale lembrar que a diferença entre óleo e gordura está na forma física. As gorduras se apresentam na forma sólida e os óleos na forma líquida a temperatura ambiente.

Durante os processos industriais, os lipídeos podem sofrer transformações químicas indesejadas, como reversão, rancidez hidrolítica e rancidez oxidativa.

  • Reversão: os lipídeos são transformados em aldeídos.
  • Rancidez hidrolítica: ocorre devido à hidrólise da ligação éster por lipase ou agente químico na presença de umidade.
  • Rancidez oxidativa: causada pela auto-oxidação dos triacilgliceróis com ácidos graxos insaturados por oxigênio atmosférica

As transformações que afetam a qualidade organoléptica dos lipídeos e todos os alimentos processados a partir disso podem estar comprometidos. Deve-se considerar ainda a possibilidade de efeitos tóxicos pelo uso prolongado, a diminuição da sua digestibilidade e seu valor nutricional (BOBBIO e BOBBIO, 2003).

Reversão

O aparecimento de cheiro anormal em lipídeos durante o armazenamento ou uso pode ser devido à reversão. O cheiro é, em grande parte, devido a aldeídos, sendo o hexenal o mais comum. A reversão ocorre mais facilmente em lipídeos altamente insaturados que contêm ácido linoleico e não é inibido ou retardado pelo uso de antioxidantes.

São pouco conhecidas as transformações químicas que levam a reversão, bem como os fatores que podem causar essa transformação (BOBBIO e BOBBIO, 2003). 

Rancificação hidrolítica

Esta reação pode ser provocada por enzimas ou agentes químicos (ácidos e bases), onde ocorre a formação de ácidos graxos livres (acidez), saturados e insaturados. Essa alteração é importante para lipídeos que contêm glicerídeos de ácidos graxos de baixo peso molecular, os quais possuem volatilidade suficiente para serem perceptíveis pelo cheiro mesmo em pequenas quantidades. A reação é identificada pelo cheiro, mesmo em concentrações baixas.  Os lipídeos originados do leite e do coco são comumente atingidos por essa rancificação, já que possuem glicerídeos de ácidos graxos de baixo peso molecular (BOBBIO e BOBBIO, 2003).

A rancificação pode ser inibida pela eliminação de água no lipídeo, utilização de temperaturas baixas e a não reutilização do mesmo lipídeo no processamento de alimentos, especialmente se estes forem ricos em água.

Na rancificação hidrolítica, o efeito de enzimas, pode ser minimizado pela sua inativação térmica. Já a hidrólise química terá sua velocidade aumentada pelo aquecimento. Durante o processamento e estocagem de sementes oleaginosas e tecidos animais, os ácidos graxos livres resultantes, devem ser removidos por processo de refino e desodorização.

Rancificação oxidativa

Esta transformação ocorre em lipídeos que contêm ácidos graxos insaturados (vide quadro abaixo) e que podem sofrer oxidação, degradação e polimerização através dos radicais livres. Como efeito das mais diversas reações, resultam aldeídos, cetonas, ácidos, álcoois e hidrocarbonetos. Esses compostos são responsáveis pelas características organolépticas e físico-químicas que estão associadas a este tipo de rancificação. A rancificação oxidativa não ocorre normalmente em ácidos graxos saturados, a formação de radicais livres é energicamente desfavorável, salvo em condições extremas de temperatura.

Figura 1: Ilustração de ácidos graxos saturados e insaturados, onde ocorre a rancificação oxidativa

Como ocorre o processo de oxidação lipídica

A oxidação lipídica envolve uma série complexa de reações químicas, que ocorre entre o oxigênio atmosférico e os ácidos graxos insaturados. Essas reações ocorrem em três estágios: Iniciação, propagação e terminação.

  • Iniciação: Ocorre quando um átomo de hidrogênio é retirado, levando a formação de um radical livre. Para que ocorra a reação de oxidação, é necessário a presença do oxigênio e de uma certa energia inicial

RH ⇒  R• + H

 O oxigênio adiciona-se ao radical livre e forma um radical peróxido.

R• + O2       ⇒        RO•

  • Propagação: Essa etapa se caracteriza pela reação em cadeia de radicais livres, alto consumo de oxigênio, alto teor de peróxidos e pelo início da alteração de aroma e sabor.Cada radical peróxido pode retirar um hidrogênio (H) de uma molécula de ácido graxo não oxidada. Esses peróxidos que são formados podem participar das reações de decomposição e de formação de novos radicais livres. O processo de oxidação inicia por uma quantidade de substâncias que estão presentes nos alimentos, tais como: íons metálicos, enzimas e presença de luz ultravioleta.

R• + O2              ⇒      R-OO•

R-OO• + R1H     ⇒      ROOH + R1•

ROOH                ⇒      RO• + •OH

ROOH                ⇒      ROO• + •H

Os íons metálicos (Cu, Co, Fe, Mo), são considerados pró-oxidantes, acabam auxiliando a formação de radicais livres, decompondo os hidroperóxidos e aumentando os radicais livres.

M+ + ROOH      ⇒          RO• + •OH + M2+

M2+ + ROOH    ⇒         ROO• + H+ + M+

  • Terminação: Ocorre quando dois radicais livres acabam interagindo entre si, para formar substâncias (estáveis), terminando assim o papel deles como propagadores da reação. A característica principal desta etapa é a diminuição do consumo de oxigênio e a redução de peróxidos. Neste caso, o alimento já apresenta alterações na consistência.

ROO• + R•        ⇒      ROOR

R• + R•              ⇒      RR

Figura 2: esquema integrado do processo de oxidação lipídica.

Existem várias determinações analíticas para avaliar o estado de oxidação lipídica de uma gordura (não confundir com acidez). As mais usadas são a determinação dos índices de peróxido e TBA (Índice de ácido tiobarbitúrico).

Índice de peróxido: Indica o estado de oxidação do lipídeo.

Índice de TBA: Indica a quantidade de produtos de oxidação secundária.

Fatores que contribuem para a rancificação oxidativa

A reação de oxidação necessita de uma elevada energia de ativação. Por esse motivo, ela é iniciada pela presença de fatores que forneçam energia ou que diminuam para valores que sejam viáveis a reação. A presença de ácidos graxos livres, metais, oxigênio, pigmentos fotossensíveis, são fatores que contribuem para o aumento da velocidade da oxidação.

  • Ácidos graxos constituintes: a quantidade, posição e geometria das ligações fazem com que a velocidade de oxidação seja maior.
  • Ácidos graxos livres e acilgliceróis: ácidos graxos livres sofrem oxidação mais rapidamente que ácidos esterificados ao glicerol.
  • Concentração de oxigênio: quanto maior a concentração de oxigênio disponível, maior a velocidade.
  • Área superficial: quanto maior a área superficial, maior a exposição ao O2.
  • Atividade de água: em baixos teores de atividade de água (< 0,30), a taxa de oxidação é alta, devido o maior contato entre substratos e reagentes. O ideal é ter atividade de água intermediária (0,3 > Aw < 0,55). É nessa faixa que a velocidade de oxidação é menor. Porém, se elevarmos (para > 0,55), a velocidade de reação torna a aumentar devido à atividade dos metais catalizadores.
  • Catalisadores: são os íons metálicos, radiações ultravioletas, pigmentos (clorofila e mioglobina), que catalisam a reação.

Meios para inibir ou retardar o processo de oxidação lipídica:

Meios físicos:

  • Remoção de oxigênio da embalagem
  • Remoção da umidade
  • Proteção a radiação ultravioleta
  • Controle de temperatura

Meios químicos:

  • Uso de antioxidantes
  • Uso de conservantes

De acordo com o emprego da matéria-prima, pode-se utilizar antioxidantes sintéticos (com e sem etoxiquim) ou naturais. 

Controlando a oxidação lipídica

Umas das formas de reduzir essas reações de oxidação é através do uso de antioxidantes, que têm em sua classificação compostos sintéticos e naturais. Os sintéticos são substâncias quimicamente desenvolvidas, os quais não fazem parte da composição natural dos alimentos. Já os antioxidantes naturais fazem parte da composição dos alimentos e possuem a capacidade de interromper a formação de radicais livres. Desse modo, são capazes de reduzir a velocidade das reações de oxidação.

Para que o produto final mantenha sua qualidade a neutralização dos radicais livres é essencial, pois irá retardar o processo de oxidação, permitindo que os alimentos se conservem por muito mais tempo com excelente desempenho.

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Beatriz Pasquali Fernandes - Mestre em Microbiologia Agrícola e do Ambiente e Analista de Laboratório de Controle de Qualidade da BTA Aditivos.

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Diego Todescato - Doutor em Engenharia Química

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