Importância de uma dieta nutricional eficiente para suínos na fase de creche e terminação
Representando cerca de 70% nos custos de produção, entenda por que a alimentação eficiente dos animais deve ser encarada com os mais rigorosos critérios técnicos, econômicos, ambientais e sociais.
A produção de suínos nas fases de creche e terminação sempre foram desafiadoras, uma vez que os custos de produção, quando comparados à receita da atividade, sempre foram proporcionalmente mais altos em comparação às outras atividades econômicas ligadas ao setor agropecuário. Se pensarmos que os custos de produção com a nutrição ultrapassam os 70% do custo total da atividade, temos um capital altamente representativo da indústria passando pelo tubo digestivo dos animais. Devido a este impacto representativo, entenda neste artigo porque a nutrição nesta fase de crescimento e terminação deve ser encarada com os mais rigorosos critérios técnicos, econômicos, sociais e ambientais possíveis.
Desafios nas diferentes etapas da cadeia produtiva dos suínos
O trato gastrointestinal dos animais é o início da “usina de transformação” de ingredientes massivamente vegetais em proteína de origem animal, e o total conhecimento de sua fisiologia, bioquímica e metabolismo são fundamentais para a elaboração de um adequado programa nutricional para os suínos. Ao longo de toda a fase de crescimento dos leitões, ocorrem mudanças significativas na capacidade de digestão, absorção e no metabolismo dos nutrientes, gerando desafios diferentes em cada uma das etapas da cadeia produtiva.
Na fase de creche, o maior desafio é completar a maturidade fisiológica dos animais, garantindo a manutenção do desempenho zootécnico e evitando diarreias e outras desordens oriundas do processo digestivo. Na natureza, os leitões seriam desmamados por volta dos 60 dias de idade, situação esta que é impensável na suinocultura industrial. Com isso, os animais são desmamados pela prática conhecida como desmame precoce, majoritariamente sendo efetivado entre 21 e 28 dias de idade nos sistemas de integração. Nesta situação, o sistema digestório não está maduro fisiologicamente, o que obriga os nutricionistas a tomarem conta de vários aspectos para contornar algumas situações que podem comprometer o desempenho dos animais.
Os leitões desmamados vêm de uma dieta composta principalmente por leite - no qual a lactose é o carboidrato de maior importância - e o leitão possui alta atividade da enzima lactase, produzida pela borda em escova dos enterócitos, responsável por sua digestão. Quando o animal migra para uma dieta sólida, há a mudança do perfil nutricional, sendo o amido o principal carboidrato presente nas rações a base de milho e farelo de soja.
Os leitões nascem com baixa produção da enzima amilase pancreática, a qual aumenta a sua atividade à medida que os animais vão recebendo amido na dieta. No entanto, se a mudança do perfil nutricional for brusca, os animais não têm a capacidade de mudar drasticamente a sua produção enzimática, e isto ocasionará aumento das taxas fermentativas (devido a maior presença de substrato microbiano no lúmen intestinal) e ocorrência de diarreias.
Transição alimentar gradual reduz os impactos na mudança da dieta
Para evitar tal situação, a transição alimentar deve ocorrer de forma gradual, fornecendo-se ração para os leitões ainda na maternidade (para que iniciem a produção de amilase pancreática mais precocemente) e posteriormente ao desmame, ainda fornecer sucedâneos lácteos nas rações pré-iniciais e iniciais, reduzindo-se gradualmente até podermos fornecer uma ração a base de milho e farelo de soja.
Adicionalmente, muitos fabricantes utilizam milho pré-gelatinizado nas rações, ingrediente que passou por um processamento térmico de forma a gelatinizar o amido, facilitando sua digestão, além da adição de enzima amilase exógena que melhora o aproveitamento total do amido da dieta.
Outro aspecto refere-se a baixa produção de ácido clorídrico pelos leitões durante este período. Esta característica é herdada do período de lactação, pois os leitões recebem seu principal aporte de imunidade passiva via colostro, através das imunoglobulinas ingeridas no primeiro dia de idade. O detalhe é que o caráter bioquímico destas moléculas é proteico, e se forem digeridas, sua funcionalidade ficaria comprometida.
Para isso, os animais possuem baixa produção de HCl no intuito de evitar a ativação das proteases estomacais, protegendo as imunoglobulinas da digestão. Porém, este aspecto se mantém até a fase de creche, e neste momento, ocorre uma limitação da capacidade de digestão proteica. Com isso, recomenda-se a utilização de acidificantes na dieta de leitões (tanto líquido quanto sólidos), para que o pH estomacal baixe de forma mais eficiente, ativando a pepsina no estômago e digerindo mais adequadamente a fração proteica da dieta.
Leitões também possuem baixa capacidade de produção de lipoproteínas transportadoras na mucosa intestinal (quilomícrons), junto a baixa capacidade de produção de carnitina a nível mitocondrial. Estas situações limitam a utilização de lipídeos da dieta, devido à dificuldade de absorção intestinal e de atravessar a membrana mitocondrial. Para tal situação, o ideal é adequar o perfil lipídico da dieta, evitando fontes lipídicas com excesso de ácidos graxos de cadeia longa e saturados. Uma fonte potencial de utilização é o óleo de coco, rico em ácidos graxos de cadeia média, mais fáceis de serem digeridos e absorvidos na mucosa intestinal e não dependentes de carnitina para atravessar a membrana mitocondrial, facilitando sua oxidação no ciclo de Krebs e produção de energia.
Alternativas para dietas dos suínos
Os animais também apresentam hipersensibilidade transitória intestinal frente as proteínas de origem vegetal. Com isso, nas dietas de leitões evita-se utilizar o farelo de soja como única fonte proteica, sendo substituído parcialmente por fontes de altíssima digestibilidade, como plasma sanguíneo desidratado, ovo em pó, proteína texturizada de soja e outras comumente utilizadas nesta fase.
Também é importante que haja estímulos para o consumo voluntário dos leitões, principalmente nas primeiras duas semanas de alojamento na creche. Uma das práticas recomendadas é a adição de palatabilizantes e edulcorantes nas rações, para estimular o consumo voluntário. A inclusão de ingredientes palatáveis, como farelo de resíduos de bolacha, ovo em pó, milho pré-gelatinizado, entre outros, facilitam este processo.
Os leitões apresentam baixa capacidade de produção de imunoglobulinas no início da sua vida, atingindo um nível mínimo de produção mais próximo ao final da fase de creche. Como os animais não recebem anticorpos via placenta, tornam-se dependentes do aporte oriundo do colostro. Porém, o animal vai utilizando esta reserva ao longo dos dias, diminuindo seus níveis próximos a desmama. O desmame em si já é uma prática estressora, e aliado ao período de baixa imunidade, torna-se bastante desafiador sob o ponto de vista imunológico. Para contornar esta situação, estão sendo fornecidos ingredientes fontes de imunoglobulinas, como plasma sanguíneo e, mais recentemente, farinha de salmão, que exercem efeito estimulador ao sistema imunológico, melhorando as condições imunitárias gerais dos animais.
Fase de terminação: novos desafios desta etapa
Na fase de terminação, os desafios apontados anteriormente estão superados, uma vez que o trato gastrointestinal dos leitões está em um nível considerado maduro, e com plena capacidade digestiva e fermentativa. Entretanto, novos desafios surgem nesta fase, principalmente ligados ao alto consumo alimentar voluntário, o qual ultrapassa as exigências nutricionais diárias, gera acúmulo de gordura em excesso na carcaça e piora na conversão alimentar.
Normalmente, no final da fase de engorda os nutricionistas recomendam sistemas de alimentação restritos, para que os parâmetros zootécnicos permaneçam em patamares mais controlados. Porém, gera-se maior ocorrência de problemas com torção de mesentério nos animais, uma vez que, por estarem em alimentação controlada, ao terem acesso ao comedouro acabam tendo um comportamento de consumo voraz, com ingestão de grande volume de alimento de uma só vez, ocasionando tal problema, evoluindo para mortalidade. Nestes sistemas, o ideal é fornecer alimento dividido em ao menos quatro porções diárias, para evitar este consumo de grande volume em um momento só.
Como existe o alto consumo em comparação às exigências nutricionais, alguns programas estabelecidos pelas empresas utilizam aditivos melhoradores de desempenho como ferramenta estratégica neste caso, que atua como um “redirecionador” metabólico, inibindo a lipogênese e aumentando a deposição de carne magra na carcaça. Este aditivo possui limitações de mercado, e a possibilidade da presença de resíduos nos derivados cárneos ainda é motivo de discussão na comunidade científica. Entretanto, o uso de tecnologias inovadoras e de vanguarda, tem trazido sucesso na substituição desses compostos. O uso de ácidos orgânicos, óleos essenciais e demais ingredientes funcionais, apresentam bons resultados para a melhora da carcaça.
Todos estes aspectos mencionados acima trazem à tona a quantidade de desafios e a necessidade de uma ampla variedade de tomada de decisões na atividade, considerando-se apenas os aspectos do manejo nutricional na suinocultura. Nota-se que há a necessidade de profissionalização, conhecimento técnico e científico na área para a manutenção dos produtores na atividade.
Além dos aspectos nutricionais, confira porque a observação das mudanças de comportamento dos suínos e as reações fisiológicas deles são importantes para que não ocorram perdas nutricionais ou de desempenho do lote.
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Tiago Petrolli - Doutor em Zootecnia na área de Nutrição e Produção de Monogástricos. Professor e Pesquisador dos Cursos de Medicina Veterinária, Zootecnia e do Programa de Pós-graduação em Sanidade e Produção Animal.
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