Nutrição x sistema imune: entenda como essa interação afeta a avicultura
A resposta imunológica representa uma complexa reação do sistema imune frente ao contato com substâncias antigênicas. Compreende mecanismos de defesa específicos e inespecíficos, os quais visam combater o agente agressor, seja ele um vírus, bactéria, toxina ou outra substância estranha qualquer. Sendo assim, o sistema imune torna-se essencial à vida e à promoção da homeostase biológica. Uma de suas propriedades mais importantes é a capacidade de reconhecer e diferenciar o estímulo a que é submetido, evitando assim, a elaboração de processos reativos contra componentes do próprio organismo ao qual pertence. Confira a seguir como o sistema imune da ave reage as situações de desafio e o impacto da nutrição na imunidade delas.
Um dos próximos passos na nutrição animal é a formulação de dietas adequadas para aves criadas em condições de desafio e estresse imunológico.
Impacto do estresse no sistema imunológico da ave
O objetivo maior da resposta imune é a manutenção da homeostase, ou seja, o retorno à normalidade fisiológica anterior à ativação antigênica. Para isso, os integrantes do sistema imune desencadeiam uma série de respostas metabólicas, neuroendócrinas e comportamentais que compõem o chamado estresse imunológico. Essa integração de resposta só é possível através de mediadores específicos que possam interagir com outros sistemas no organismo. Com o recente acúmulo de informações derivadas da pesquisa aplicada, pode-se afirmar que a modulação das interações imunofisiológicas dos frangos dá-se em grande parte pela participação de moléculas chamadas citocinas.
Ao transferirmos a condição de estresse imunológico para o cenário da produção animal, já existem evidências científicas suficientes para concluir que a ativação do sistema imune resulta em prejuízo efetivo a diversas respostas zootécnicas estudadas. O sistema imune é dependente de um aporte proteico para a produção de todos os componentes envolvidos em uma resposta imune, como as citocinas, imunoglobulinas, proteínas de fase aguda, entre outras. Normalmente os ensaios voltados à determinação de alterações metabólicas advindas de processos de infecção correm o risco de confundir os efeitos da ativação do sistema imune com os efeitos invasivos do patógeno em si.
A ação das proteínas no sistema imunológico
A degradação acelerada de proteínas musculares e a intensa secreção de proteínas hepáticas de fase aguda são características marcantes da resposta imune. Isso ocorre porque os aminoácidos liberados na corrente sanguínea, oriundos da proteólise muscular, são utilizados para a síntese das proteínas de fase aguda no fígado, ou mesmo como fonte de energia para o processo. Essas proteínas hepáticas são parte integrante da reação imunológica e compreendem uma imensa gama de moléculas específicas, dentre as quais estão os componentes do complemento, as haptoglobinas, acilglicoproteína e alguns fatores de coagulação.
Metabolicamente, as citocinas induzem também a anorexia e a depressão da síntese e deposição proteica, e com isso, aves com o sistema imune ativado têm seu potencial de deposição de carne reduzido. Nas situações onde o desafio imunológico é baixo, há pouca liberação de citocinas no organismo, o que evita seus efeitos metabólicos catabolizadores, situação a qual há possibilidade de consumo e taxa de deposição proteica maximizada.
Fatores para a menor síntese proteica e maior degradação muscular
Em animais sob desafio, três fatores contribuem para a menor síntese proteica e maior degradação muscular.
- O desafio é relacionado com redução no consumo, portanto, o suplemento de aminoácidos oriundos da dieta é limitado.
- A exigência de aminoácidos (nitrogênio) para a síntese de proteínas de fase aguda, anticorpos e outros elementos ligados à resposta imune causam uma “exigência momentânea maior” ao animal.
- A composição aminoacídica do músculo esquelético é diferente da composição dos elementos ligados a resposta imune, fazendo com que a degradação da proteína muscular seja maior que a produção efetiva das proteínas de fase aguda, para poder prover a quantia necessária de aminoácidos para a síntese das mesmas. Com isso, a perda proteica é maior devido ao desafio imunológico, se comparado às perdas com a simples redução no consumo voluntário.
Nutrientes para combater ao estímulo antigênico
Um dos fenômenos de grande importância que ocorre durante a resposta imune é o redirecionamento de nutrientes para atender a demanda de combate ao estímulo antigênico. Diversos nutrientes são mobilizados e deixam de atender funções produtivas anabólicas, como a deposição de proteína muscular e produção de leite para atender à demanda sinalizada pelo sistema imune. Essas mudanças metabólicas, mediadas pelas citocinas, fazem com que a glicose seja mobilizada em tecidos periféricos e direcionada para os sítios de geração da resposta imune, através da geração de resistência à insulina nas células da musculatura esquelética e do tecido adiposo, agindo diretamente sobre os receptores de insulina e os transportadores de glicose.
Além da mobilização de glicose, diversos outros eventos ocorrem para atender à demanda metabólica da resposta imune. Aminoácidos são mobilizados para a síntese aumentada de citocinas, imunoglobulinas, células de defesa, proteínas de fase aguda e outras demandas proteicas da resposta imune. Além disso, há um aumento na taxa de desaminação de aminoácidos para a produção de substrato suficiente para a gliconeogênese, visando atender à maior demanda por carboidratos de fácil utilização e, assim, suprir a necessidade energética do sistema imune ativado.
Como a exigência dietética de aminoácidos é fruto do potencial de deposição proteica diária, conclui-se que a ativação imune reduz as exigências de ingestão diária de alguns desses aminoácidos. A partir de um dado momento, as aves submetidas ao estresse imunológico, e consequentemente ao baixo consumo de ração, não mais respondem a um aumento na ingestão do aminoácido lisina, ou seja, não depositam mais proteína na carcaça. Isso ocorre pelo menor potencial que esses animais têm para o anabolismo muscular, em função do efeito citocínico da resposta imune.
Ainda é comum a prática de incrementar os níveis de aminoácidos ou proteína dietética em situações de estresse imunológico. Entretanto, fica cada vez mais evidente que essa prática pode representar simples desperdício de recursos, uma vez que esses animais estão impedidos de responder a esses aumentos, através do efeito citocínico. Como a capacidade de deposição proteica dos frangos com baixo desafio imunológico é maior, nesses casos a exigência diária de lisina também é maior, para que o animal possa expressar seu máximo desempenho.
Uma vez que a composição em aminoácidos difere sensivelmente entre proteínas teciduais e aquelas ligadas a outras funções biológicas, as exigências não irão alterar-se de forma similar para os diferentes aminoácidos essenciais. Isso se explica pelo fato de a rede citocínica ser capaz de afetar anabolicamente alguns tecidos como o fígado, enquanto em outros, como o músculo, promover catabolismo. A lisina, por exemplo, é um componente majoritário de proteínas da musculatura, mas é relativamente menos importante em proteínas com funções biológicas de manutenção. Já com os aminoácidos sulfurados ocorre exatamente o contrário. Logo, aminoácidos como lisina e metionina irão ter seus requerimentos afetados sempre de forma distinta. Os aminoácidos liberados pela proteólise muscular servirão de fonte para os processos de defesa intrínseca do organismo. Sob a ativação imunológica, a proliferação das células do sistema imune exige um aporte de aminoácidos específicos para sua síntese. Além disso, a utilização da glutamina pelos tecidos viscerais, principalmente fígado é maior do que a sua síntese nos tecidos periféricos, reduzindo assim sua concentração plasmática.
Durante o desafio imunológico, os níveis plasmáticos de treonina e triptofano são menores, devido ao aumento na sua exigência, associado as quantias limitantes presentes na dieta, que geralmente não são ajustadas ou compensadas nesses casos. A alteração dos níveis de triptofano é atribuída principalmente, a sua grande participação na composição das proteínas de fase aguda. Já as alterações nos níveis de treonina estão associadas com a manutenção da integridade e do funcionamento normal da mucosa intestinal, por ser um dos principais componentes das mucinas. Devido a isso, as perdas endógenas de treonina são altas, principalmente nas situações de estresse imunológico.
Refletindo-se ao discutido, um dos próximos passos no campo da nutrição animal encaminha-se para a formulação de dietas adequadas especificamente para aves criadas em condições de desafio, principalmente quando submetidos a um crônico estresse imunológico. Esta prática, além de representar reduções de custo, traz alguns benefícios ao animal, como menor incremento calórico, devido ao menor catabolismo de aminoácidos (importante em animais mantidos sob condições de clima tropical) e ao ambiente, devido a menor excreção de nitrogênio.
É importante conhecer alguns pontos que podem alterar a qualidade das rações e entender como isso pode afetar o perfil nutricional ou o desempenho dos animais. Confira neste artigo quatro desafios relacionados às rações e como gerenciar seus impactos com aditivos tecnológicos.
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Tiago Petrolli - Doutor em Zootecnia na área de Nutrição e Produção de Monogástricos. Professor e Pesquisador dos Cursos de Medicina Veterinária, Zootecnia e do Programa de Pós-graduação em Sanidade e Produção Animal.
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